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E viveram felizes para sempre?

Em uma bela noite, Elizabeth estava elétrica, o típico de uma criança de oito anos, sempre animada para explorar o mundo a sua volta e afora. Já passava das dez da noite e sua mãe tentara de tudo para fazer a menina dormir. Havia apenas mais uma tentativa.

– Que tal uma história? – A menina que pulava na cama, de repente parou.

– Acho que está um pouco tarde para TV agora mamãe, mas se você quiser... – A menina dizia com o maior sorriso no rosto.

– Claro que não, sua espertinha, eu poderia contar uma história para você, um conto de fadas. Temos muitos aqui em casa, como Peter Pan, A Branca de Neve, A Pequena Sereia.

– Ah, eu quero a Branca de Neve.

E assim foi. Entretanto, a cada página que passava, mais a menina prestava atenção. Nenhum bocejo, nenhuma pingada de sono no olho.

– ... e eles foram felizes para sempre. Fim! Está com sono né, filha? Boa noite! – A mãe ia levantando, mas a filha não estava com sono, muito menos feliz e risonha que nem antes, sua expressão era confusa e, talvez, um pouco revoltada.

– Como o príncipe sabia que podia beijar a princesa?

– Como assim filha? – Agora que a mãe não entendia mais nada.

– A princesa estava morta, mamãe! Como ele sabia que estava tudo bem em beijá-la? Além disso, ele nem sabia se a salvaria ou não.

– Ah, filha, ele não sabia, porém fez mesmo assim. Tirou na sorte, provavelmente. – A mãe dizia rindo, apesar da filha continuar séria.

– Isso não parece certo. E ainda, eu acho que quem inventou essa história exagerou muito na vilã. Por que uma mulher atacaria outra por ser mais bonita? Eu acho que elas deviam se unir.

– Não se esqueça que é só um conto, não precisa levar tão a sério assim. Agora chega, boa noite! – Disse a mãe, apagando a luz do quarto e fechando a porta.

– Espera, mãe! Só mais uma, por favor, a da Bela Adormecida, por favor! – A filha implorou, e a mãe acabou ficando para mais uma.

– ...viveram felizes para sempre. Fim.

– Não posso acreditar, mãe! Mas e o filme que a gente viu, Malévola? A bruxa não era tão má, ela tinha motivos.

– Ai, de novo não, Elizabeth!

– Mas, mãe, por que sempre os homens são os bonzinhos das histórias e sempre tem dois tipos de personagem mulheres? A malvada invejosa e a doce legal? As coisas nem sempre são assim aqui.

– Eu sei, filha, realmente não são, mas esses contos foram escritos assim, não tem nada que eu possa fazer.

– Mas se não são realidade, por que todo mundo sempre faz questão de contálas? E o príncipe de novo, beijou ela sem saber se podia, eu não acho isso certo.

– Além disso, eu acho que as princesas podem se salvar sozinhas, nem sempre precisa vir um homem ao resgate. Eu mesma sei fritar ovo sozinha, sem a ajuda do papai.

– E elas não fazem mais nada além de arrumar a casa? Por que a Branca de Neve só fazia isso? E por que quando a Aurora ia explorar, as tias falavam para ela varrer o chão? E se elas quisessem conhecer outras pessoas? – A menina fazia uma pergunta atrás da outra, sempre revoltada, brava.

A mãe estava chocada com a evolução da filha, com pensamentos não só feministas, porém repletos de argumento e realidade. A mãe pensou, mulheres realmente não devem permanecer em suas casas, apenas lavando louça. Mulheres não deviam esperar um resgate de um homem quando precisam de ajuda. Mulheres podem se defender. Mulheres exigem igualdade e respeito. Amor não vem só de homem e independência é algo básico do ser humano, mas isso só está começando a se tornar uma realidade agora, porque essas histórias que se passam de geração em geração normalizam esses abusos mentais que eram feitos às mulheres. Basta!

– Filha, eu fico muito feliz que pense isso e você está certa. O mundo é muito injusto ainda, mas pessoas como você podem mudar a nossa geração. Agora, você deve dormir por causa da aula amanhã, tudo bem? Podemos conversar sobre isso outro dia. – A mãe disse dando um beijo em sua testa, e se levantando da cama.

– Eu te amo, mamãe – Isso fez a mãe sorrir de volta. A menina não demorou para dormir, contudo, os pensamentos pareciam não ir embora por um bom tempo...

Helena Sousa Mendes

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